“Aquilo que herdaste dos teus ancestrais,
conquista-o, para que o possuas.”
Goethe
Esta frase, proferida por Goethe e citada por Freud em Totem e Tabu (1913), indica a importância assumida pela questão da herança ao longo de toda a obra freudiana. Desde os textos inaugurais, quando interroga o lugar da transmissibilidade psíquica na etiologia das neuroses até o momento em que trabalha, em Moisés e Monoteísmo(1937), a noção de herança arcaica, o que se destaca é a presença da temática da ancestralidade articulada ao conceito fundamental do campo psicanalítico: o inconsciente.
Apesar de não ter concebido o termo herança como um conceito psicanalítico, Freud sempre evidenciou, a partir de diferentes recortes clínicos e teóricos, a presença dos traços transmitidos de uma geração para outra e que exige do sujeito um trabalho singular de apropriação daquilo que foi herdado.
Vai observar, ainda, com muita precisão, que nenhuma geração é capaz de evitar os efeitos de eventos psíquicos relevantes que antecedem a existência do sujeito, ao mesmo tempo em que constata a importância fundamental da simbolização dos significantes herdados. De fato, é em torno dessa apropriação, fracassada ou bem-sucedida, que depende o próprio destino do sujeito, ou seja, da possibilidade de que ele venha a encontrar um lugar no mundo.
Lugar, portanto, que inclui uma alteridade estrutural alheia às pretensões de autonomia ou independência, conferidos ao Eu na Idade Moderna e que tanto insuflaram o especismo do humano com a consequente cegueira supremacista de nossa espécie. O que se revela é que a catástrofe civilizatória e climática na qual estamos imersos na atualidade revela, por outra via, a potência crítica e visionária da psicanálise que desde os seus primórdios, nos alerta que o Eu é um Outro revelando a presença de um descentramento constitutivo da subjetividade humana.
O Outro, enquanto uma rede de linguagem que antecede a nossa existência, transforma o sujeito em elo, relativo a uma ascendência e descendência que constitui, cada um de nós, como únicos e, simultaneamente, múltiplos. Em outras palavras, fazemos parte de uma vida que inclui muitas outras vidas que nos antecedem e é a partir da apropriação desta herança que nos tornamos de fato singulares.
Por outra via, o que se revela é que somos marcados originariamente pelo desamparo fato que indica que há um Real ineliminável, impossível de ser superado, que marca um limite e revela a dependência mútua entre natureza e cultura.
É importante destacar que por mais que a psicanálise seja fruto da Modernidade, que possibilitou o nascimento das chamadas ciências humanas, ela não adere a uma negação daquilo que a antecede, mas realiza um corte epistemológico que nos convoca a trabalhar com a subversão da noção de tempo introduzindo a premissa da atemporalidade dos processos inconscientes que operam no psiquismo. Tempo lógico e não cronológico que nos torna, no presente, responsáveis pela história e preservação não somente da vida humana individual, mas, também, coletiva.
Nesse sentido, não se trata apenas de considerar o sujeito enquanto fruto do que se denomina de romance familiar nuclear, mas, de nos reconhecermos na complexa rede social, cultural e antropológica, que incide no organismo vivo tornando-o parte do mundo dos viventes, apesar de sentirmos e agirmos ao nosso estilo e a partir dele.
De qualquer forma o que aqui se sublinha, não é propriamente a ideia de um reservatório de supostas imagens latentes, junguianamente consideradas como arquetípicas ou mesmo a existência de experiências e padrões comuns à toda a humanidade. O que se visa com tais questões é fomentar um campo de discussões sobre o modo singular pelo qual cada sujeito, e cada cultura, se apropria ou se expropria daquilo que recebeu como herança e as consequências advindas disso.
Considera-se, aqui, que diante das diferentes crises que se apresentam agora, no século XXI, mais do que nunca, devemos enfrentar a perspectiva de que o nosso modo civilizatório, além de não ser tão civilizado assim é apenas uma dentre as várias possibilidades de organização sociocultural existente! Por isso é preciso despertar e reconhecer a importância dos saberes advindos de outras experiências de vida social para, quem sabe, colaborarmos para reverter, naquilo que for possível , os desastres que se anunciam.
A partir dessas reflexões e impasses o Corpo Freudiano Escola de Psicanálise escolheu a cidade de Belém (PA), sede da COP30 (30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), em 2025, para sediar o XV Colóquio Internacional e Encontro Nacional com o tema A Psicanálise e o ancestral em nós.
Esperamos que se juntem a nós nessa empreitada, tendo em vista o momento atual de inquietude que atravessa a todos no intuito de refletirmos e aprofundarmos, a partir da psicanálise, a importância das questões aqui levantadas.
Parodiando o escritor, filósofo, ativista e líder indígena Ailton Krenak, se não temos fórmulas para "adiar o fim do mundo”, temos que urgentemente repensar nosso modo de habitá-lo. É preciso reconhecer, como ele também nos alerta, que o “futuro é ancestral”, frase que inspirou a escolha do tema do nosso encontro que ocorrerá em março de 2026.
Convidamos todos vocês a participarem desse encontro que com certeza será imensamente instigante e produtivo!
Denise Maurano
Sonia Leite
Silvia Levy
XV Encontro Nacional e Colóquio Internacional
Associado do Corpo Freudiano
Acesso completo a toda a programação científica e cultural
R$350,00
Outros profissionais
Acesso completo a toda a programação científica e cultural
R$400,00
Estudantes
Acesso completo a toda a programação científica e cultural
R$280,00